Não satisfeitos com a
censura à Rachel Sheherazade, militantes e idiotas úteis colocam na conta da apresentadora
do SBT os mortos em justiçamentos, atos dos quais se têm registro no país pelo
menos desde a primeira metade do século XVIII (e que renderam em 2008, por
exemplo, matérias como esta do Estadão), mas que passaram a chamar a atenção da
imprensa esquerdista após Sheherazade ter julgado nada mais que
“compreensível”, nunca justificável, o caso do bandido amarrado no poste, que
voltaria a assaltar semanas depois.
O doutor Drauzio
Varella, aliás, contou em artigo recente que perguntou a um dos detentos de
determinado presídio por que razão respeitavam o assassino de um pai de
família, enquanto barbarizavam o estuprador. Segue o trecho com a resposta e o
comentário de Varella:
- Quem mata uma pessoa
pode passar o resto da vida sem matar mais ninguém. O estuprador vai sair daqui
e atacar outra mulher, que pode ser a sua filha ou a minha irmã. Esses caras
são anormais.
Não lhe tiro a razão.
De fato, aceitamos com mais condescendência um assassino do que o estuprador. O
estupro é o mais abjeto dos crimes.
Pronto. Drauzio Varella
“não tirou a razão” dos justiceiros presidiários. Não tirar a razão de alguém é
até pior do que julgar “compreensível” o ato. Entre compreender e justificar há
uma distância maior do que entre não tirar a razão e justificar, já que a
razão, se não é tirada, é NO MÍNIMO compreendida. Vamos responsabilizar Drauzio
Varella por todos os homicídios de estupradores também? Claro que não. Qualquer
ser alfabetizado funcional e moralmente nota que ele quis apenas compreender o
raciocínio do detento ou simplesmente concordou com a anormalidade dos
estupradores. Mas, se Sheherazade ou qualquer outro “reaça” tivessem dito tal
coisa dessa forma, o mundo cairia em cima, como continua caindo no caso dela.
Ricardo Boechat já
havia declarado que as opiniões da apresentadora eram “uma bosta”; e agora,
após a matéria sobre o linchamento de uma mulher no Guarajá, litoral de São
Paulo, atingiu o ápice do cinismo com este comentário que transcrevo e comento
abaixo:
“Esse crime aí, minha
gente, tem tanta responsabilidade nele o autor do boato espalhado pela internet
– assinou embaixo ‘Guarujá Alerta’ não sei o quê – quanto pessoas que, mesmo em
emissoras de TV, estimulam a cultura da justiça com as próprias mãos. Isso está
dentro do mesmo panorama que propicia, que estimula, que justifica linchamentos
aí, como o que nós andamos vendo recentemente em várias cidades do país, ou
tentativas de linchamento. É hora dessas pessoas, agora, virem a público e
dizerem como se sentem diante da consumação de sua própria teoria na prática.”
Que autoridade moral
tem Ricardo Boechat para mandar indireta à Sheherazade, que nunca “estimulou”
justiça com as próprias mãos coisa nenhuma, como dezenas de vezes esclareceu no
próprio SBT muito antes deste linchamento, ao contrário dele, o jornalista que
ficou famoso em 2013 por ter endossado o quebra-quebra e os ataques em
manifestações que resultariam na morte de seu próprio colega de emissora, o
cinegrafista Santiago Andrade? Transcrevo abaixo o principal trecho de um dos vídeos
mais vexaminosos da história do jornalismo brasileiro:
“(…) Essa realidade vai
mudar (…) se a população atacar, partir pro contra-ataque. Eu sou favorável a
arranhar carro de autoridade, eu sou favorável a jogar ovo, eu sou favorável a
revolta, a quebra-quebra, o c@*@lho. ‘Ah, isso é vandalismo!’ Vandalismo é o
cacete! Vandalismo é botar as pessoas quatro horas na fila das barcas todo dia
(…). Vandalismo é tu roubar feito um condenado o dinheiro público (…).”
Só faltou dizer, como o
psolista Francisco Bosco, que “Os saqueadores me representam“. É este amante da
democracia que quer responsabilizar Sheherazade pela morte de uma inocente? Sei
que há idiotas úteis, desprovidos de senso das proporções, para ler os
comentários de ambos e dizer: “Ah, os dois estão errados…” Mas Boechat não
achava simplesmente “compreensível” a revolta. Ele estimulava os vândalos a
atacar de várias formas os seus inimigos e ainda dava margem a outras. Se
quebra-quebra, arranhar carro e até jogar ovo estavam entre as sugestões
declaradas para aquelas supostas vítimas do Estado, por que afinal o rojão que
acabou matando Santiago não estaria incluído naquele “c@*@lho”?
(Não era Boechat –
neste outro áudio que prefiro nem trazer para o blog - quem sugeria ao
helicóptero da Band sobrevoando o aeroporto de Congonhas que “talvez pudesse
jogar um TIJOLO ou alguma coisa, [ou] fazer um pipi nessas duas viaturas da
Polícia Militar de São Paulo”? O que é um TIJOLO arremessado de um helicóptero
perto de um rojão solto na praça?)
“Diante da consumação
de sua própria teoria na prática”, Boechat se saiu assim:
“Olha, sem dúvida
setores do aparato repressivo oficial da polícia e setores irracionais
infiltrados no movimento popular odeiam a liberdade, odeiam portanto o trabalho
de uma imprensa livre. Mas eu particularmente acho o seguinte: um rojão daquele
não tem endereço. O cara acende e manda pro destino. Atingiu o Santiago, nosso
companheiro. Podia ter atingido uma criança, teria matado. Podia ter atingido
uma mulher grávida, um idoso. Aquilo ali é um tiro disparado em direção a seja
lá quem for. E de vez em quando encontra um destino.”
Uau! Que descoberta
lamentavelmente tardia, não? Boechat jura mesmo que “um rojão daquele não tem
endereço”? Mas por que os ovos teriam? Por que as vidraças e os escombros do
quebra-quebra igualmente teriam? Por que os TIJOLOS teriam? Desculpe, mas sou
obrigado a dizer: por que “o c@*@lho” teria? Por que, em suma, os cidadãos
inocentes – crianças, mulheres grávidas, idosos, mas também jornalistas –
estariam protegidos contra os perigos resultantes do caos estimulado?
Era tão difícil assim
prever uma tragédia?
Que autoridade moral
tem Ricardo Boechat para falar em “setores irracionais infiltrados no movimento
popular” se, irracionalmente, ele estimulava os próprios populares a atacarem
com meios semelhantes? E como um jornalista que reagiu tão cinicamente às
consequências do que ele mesmo pregava pode exigir que uma colega de profissão
– atualmente calada pelo governo! – venha a público dizer como se sente em
relação àquilo que ela nunca pregou?
Muito bonzinho que sou,
darei a ele uma última e enorme chance de se explicar no áudio abaixo. Enquanto
as Jandiras da imprensa e da internet condenam Sheherazade sem jamais voltar à
sua frase original, muito menos a seus esclarecimentos posteriores, a fim de
fomentar o ódio puro e simples contra a apresentadora, eu faço questão de
exibir o discurso dessa gente.
Após citar os casos de
Santiago Andrade (morto) e outros jornalistas feridos, ele diz:
“(…) Os caras vão pra
lá para imprimir uma forma de ser, uma forma de agir, que é o predomínio da
estupidez sobre qualquer outra [forma]… ‘Ah, Boechat, você não é a favor do
radicalismo?’ Sou. Mas radicalismo não é estupidez. Radicalismo é você levar
adiante seus objetivos, mesmo numa correlação de forças desfavorável, ou você
acentuar a tua luta quando a situação é favorável. Ninguém jamais aqui me ouviu
de dizer que eu fui contra a ocupação da câmara dos vereadores. Pelo contrário!
Várias vezes entrevistei os manifestantes que lá na câmara estavam… ocupando a
câmara lá dentro. É só ouvir, está lá arquivado até hoje. Várias vezes… Quando
tentaram fazer invasão da assembleia legislativa, do congresso nacional, eu
nunca me posicionei contrário a isso.
Eu defendi numa
entrevista do Pato com Laranja – está lá nas redes até hoje e tal -, eu digo
[na entrevista] “Tem que botar pra quebrar mesmo” e tal. Agora: não é em cima
do outro cidadão, não é em cima do patrimônio privado, não é em cima do orelhão
que todos usamos, não! Referência no sentido de radicalizar o enfrentamento com
o Estado. É botar o Estado de joelhos diante da sociedade, através da
mobilização popular. E isto vai ser feito não graças a grupos como esse,
truculentos, que assustam a sociedade, que intimidam a sociedade, que afastam a
população dos movimentos. Não é isso! Se o movimento popular como um todo sobe
o tom de sua pressão sobre o Estado, como vinha fazendo em junho e julho, e
resolve tomar prédios públicos, ocupar áreas públicas e tal, em massa, nas
ruas, famílias, trabalhadores e tudo mais, aí desculpe: você tem o apogeu de
qualquer luta popular, é exatamente este ápice que se está procurando. É a
inversão, a troca de eixo de poder… deixa de ser Sua Excelência e passa a ser o
cidadão. E aí a Sua Excelência passa a ter que fazer o que o cidadão quer. É a
voz das ruas impondo a sua vontade. Nesse sentido, eu sou absolutamente
radical. Sou a favor do movimento popular radical. Radical! Partir para dentro
dos caras. Partir! Mas não tenha dúvidas: se ocuparem o Congresso, eu estou
pouco ligando, jamais faria uma crítica. Agora: quebrar o orelhão, quebrar a
vitrine da loja de lingerie, dar porrada em jornalista, tacar fogo em carro da
imprensa, aí o cara tá cuidando de uma pauta DELE!”
Como se a pauta do
suposto movimento popular fosse da sociedade inteira, não é mesmo?…
E como se as
manifestações não tivessem sido violentas desde o primeiro dia.
“Os Black Blocs cuidam
de uma pauta deles, movidos a frustração, à palmada na bunda que a mãe deu na
hora errada, a questões de sexualidade mal resolvida. Só posso acreditar que é
isso. É um bando de gente raivosa, que tem raiva da sombra, da mãe, do pai, do
tio e tal, e que querem que a sociedade aja dentro deste receituário, sociedade
que eles veem como inimiga! Tudo é inimigo deles! A começar por aqueles que
pregam a necessidade de ser respeitado o direito à livre manifestação e à livre
opinião. Eles não toleram isto. Eles são fascistas, eles são milicianos, têm
práticas criminosas e merecem cadeia. Merecem cadeia.”
Antes da morte de
Santiago, Boechat pregou o quebra-quebra naquela entrevista. Depois da morte de
Santiago, descobrimos que havia uma série de limitações para o quebra-quebra
pregado. Só faltou ao radical confesso Boechat escrever o seu “Minimanual da
guerrilha” à moda Marighella, para explicar os detalhes das violências
permitidas e proibidas. Contra o Estado, sim; contra as pessoas e propriedades
privadas, não. A dúvida sobre como essas pessoas e propriedades estariam imunes
a rojões ou qualquer artefato direcionado às forças do Estado permanece sem
explicação (assim como aquela, de que falei no caso de Bosco, sobre qual é, e
como pode ser medido, o limite de insatisfação que justifica os atos de
vandalismo).
Nelson Rodrigues dizia:
“Não estarei insinuando nenhuma novidade se afirmar que nunca houve uma
multidão inteligente.” Boechat devia acreditar que há multidões não só
inteligentes como também “snipers”, capazes de acertar seus ataques sempre na
mosca, sem afetar mais ninguém. Nelson dizia ainda: “Nunca houve inteligência
coletiva, trezentas pessoas reunidas constituem um bloco monolítico de
incompreensão, frequentemente de estupidez.” Boechat não aprendeu a lição, mas,
qualquer coisa, ele responsabiliza os “setores irracionais infiltrados”.
Nestes pontos, o que
ele tem de diferente dos esquerdistas que há décadas legitimam moralmente todos
os crimes e ainda querem acusar os outros de fazê-lo?
Nada, é claro. Todos
continuam linchando os neurônios e o caráter do povo.
Felipe Moura Brasil -
http://www.veja.com/felipemourabrasil
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Artigo relacionado:
- Quando os
esquerdistas acusam alguém de fazer “justiça com as próprias mãos” (contra um
bandido), eu aproveito para levantar a ficha deles nesse ramo (contra
inocentes)
Sobre os comentários:
PS 1: À canalhada
saliente, que vem comentar sem clicar nos links indicados, segue um trecho do
meu artigo O curioso caso de Fabio Porchat contra Rachel Sheherazade: “(…)
‘Qualquer do povo poderá e as autoridades policiais e seus agentes deverão
prender quem quer que seja encontrado em flagrante delito‘, como afirma o
artigo 301 do Código de Processo Penal. A turma dos ‘direitos humanos’ finge
não saber que amarrar no poste é uma das formas de prender um bandido, como o
delegado Antônio Abreu Mendes da 2ª DP de Florianópolis confirmou em outro caso,
e achar isso ok [ou "legítima defesa coletiva", que neste ponto é
legítima mesmo] nada tem a ver com defender seu linchamento, coisa que
Sheherazade nunca fez, conforme esclareceu inúmeras vezes. (…)”
PS 2: MAVs e projetos
de MAVs nunca vão (querer) entender a diferença entre uma opinião compacta
esclarecida em declarações posteriores – dada por uma jornalista que trabalha
com conteúdo diário em tempo reduzido como Rachel Sheherazade – e uma opinião
de fato, exposta e reiterada em declarações variadas, como as de Ricardo
Boechat sobre o vandalismo. Sempre vão distorcer aquela até o limite do absurdo
e dar-lhe o peso desta, demonstrando o quanto são analfabetos funcionais e
morais, sem escrúpulos, sem caráter, sem a menor vergonha na cara
Fonte: Revista Veja
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