terça-feira, junho 06, 2017

CULTURA NORDESTINA-SANFONEIROS AMPLIAM CAMPANHA DEVOLVA MEU SÃO JOÃO POR MAIS ESPAÇO AO PÉ-DE-SERRA

Chambinho do Acordeon, Flávio Leandro, Targino Gondim e Joquinha Gonzaga se uniram a dezenas de músicos em manifesto online.Fotos: Facebook/Reprodução

Endossando o coro dos sanfoneiros que lançaram a campanha "Devolvam o nosso São João", encabeçada pelos músicos Joquinha Gonzaga e Chambinho do Acordeon, que denuncia uma descaracterização do São João nas programações dos festejos públicos, o cantor e compositor Alcymar Monteiro defende uma maior valorização do forró. O manifesto, que ocorre nas redes sociais, conta com a participação de dezenas de músicos de diversos estados do Nordestes. Portando cartazes de protesto, eles chamam a atenção para o espaço dedicado aos gêneros tradicionais em um dos principais festejos da cultura nordestina.

Confira o roteiro de shows no Divirta-se

Para Alcymar, a forma como as gestões públicas municipais e estaduais têm elaborado os festejos do ciclo se consolidam como um "desprestígio com as novas e futuras gerações, pelas mãos de uma gente que tenta usurpar a cultura de um povo". Em sua fala, se refere às mesmas negociações entre gestores e produtores denunciadas por Joquinha, sobrinho de Luiz Gonzaga, em entrevista ao Viver.

O herdeiro do Rei do Baião acredita que os principais motivos para a perda de território nos festejos da época são a falta de aporte da iniciativa pública e às negociações com grandes empresas de entretenimento, que decidem as atrações. "Eles é que estão montando esse esquema. Os empresários estão manipulando tudo, chegam nas prefeituras e compram o espaço todo. Botam quem eles querem, menos os sanfoneiros", denunciou o sanfoneiro, que chegou a dizer que, se vivo, Luiz Gonzaga não estaria mais no mundo da música.

Músico já havia criticado, em vídeo, a programação da cidade de Campina Grande, na Paraíba. Foto: Facebook/Reprodução

"Essa é festa espoliada por pessoas que são alheias à nossa cultura, que não compreendem esse tipo de manifestação. E que acham que o forró é uma música de 2ª classe", concorda Alcymar. O forrozeiro classifica as tradições culturais como um direito universal, existente no mesmo patamar que outras garantias básicas necessárias como saúde e alimentação. "O forró é a trilha sonora da maior festa de inverno do mundo. Uma manifestação que é a representação dos nossos valores mais profundos, oriundos de Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro, esses grandes menestréis que construíram nossa cultura musical", afirma.

No manifesto político-cultural, o músicos apontam que a desproporcionalidade entre artistas locais diretamente ligados aos gêneros tradicionais, como o forró pé-de-serra e o baião, e atrações de outros estilos e estados ocorre, principalmente, nos grandes polos do ciclo, como Caruaru, em Pernambuco, e Campina Grande, na Paraíba. "Algumas cidades sempre introduziram 'grandes nomes da música' em suas programações. 'Grandes nomes' porque são impostos massivamente na mídia. Nessas cidades, querem que a festa seja grande, mas ela está ficando culturalmente cada vez menor", critica Alcymar, se referindo principalmente à detentora do título de "Maior São João do Mundo", na Paraíba, que classifica como "palco dos horrores". "Eles incutem na cabeça da juventude que essa outra música é sucesso", alfineta.

"Se eu não defender essa cultura junina, eu estaria traindo meu próprio povo. Eu não sou traíra, sou gonzaguiniano e jacksoniano. Luto pela renovação do nosso forró, mas sem incutir toda essa 'pornofonia' e 'pornomelodia' que são criminosas", afirma.

Abrindo a programação do palco principal do maior polo junino em Pernambuco, Caruaru, neste sábado (3), ao lado de Elba Ramalho, da banda Fulô de Mandacaru (vencedora do reality global SuperStar 2016) e da Orquestra de Pífanos de Caruaru (regida pelo maestro Mozart Vieira, e criada para a festividade), Alcymar Monteiro pondera sobre a programação deste ano: "Essa gestão cultural de Caruaru teve uma ideia que eu achei válida. Não bato palmas, mas achei válida: criar um palco alternativo no Alto do Moura. Artistas como Alceu Valença e Lenine, que têm uma forte identificação com a nossa cultura, mas que não estão diretamente ligados ao forró, vão tocar neste espaço. Enquanto que os forrozeiros irão ocupar a Praça de Eventos Luiz Gonzaga".

Ele, que diz ter sido excluído do festejo na cidade nos últimos quatro anos, por divergências políticas com a gestão anterior, vê um avanço na "capital pernambucana do forró". "Neste ano, eu acho que tem 70% de pessoas diretamente identificadas com nossa cultura na programação. E Gonzaga já me dizia: 'cumpadre, moda sempre vai ter, mas cuidado com ela. Moda é como sapato velho, quando não presta a gente joga fora'", relembra Monteiro. "Meus companheiros disseram 'devolvam o nosso São João'. Eu digo: 'devolvam o São João que vocês nos roubaram'. E tenho certeza que isso, no futuro, será cobrado deles", arremata Alcymar.
CAMPANHA
Foi do músico Nivaldo Expedito de Carvalho, mais conhecido como Chambinho do Acordeon, intérprete do Rei do Baião no filme Gonzaga: De pai pra filho, a iniciativa da campanha "Devolva nosso São João". A ideia surgiu no ano passado, a partir de sua experiência no universo ficcional, enquanto interpretava o personagem Targino dos 120 baixos na novela Velho Chico. O músico da ficção, que saía do sertão para se apresentar em um vilarejo, se deparava com uma situação muito parecida com a enfrentada pelos sanfoneiros na realidade.

Na mesma época, foi se apresentar, na véspera de São João, na cidade de Feira de Santana (BA) e se emocionou com o depoimento de um sanfoneiro local, J. Sobrinho. Conhecido na região, o sanfoneiro iria passar a primeira data junina sem tocar em 30 anos. O depoimento emocionou Chambinho e o episódio inspirou o diretor a denunciar a descaracterização dos festejos juninos no enredo da novela. Com uma agenda de 25 shows para o mês de junho, Chambinho diz que a maior preocupação é com a situação dos "pequenos" músicos.

A convocatória nas redes sociais, explica, é o início de uma ação que deve contar ainda com veiculação de um manifesto em vídeo e de projeto a nas prefeituras dos principais polos juninos. Entre as frases divulgadas pelos artistas na campanha, estão "Devolvam o nosso São João", "São João é do Nordeste" e "São João só é grande quando tem forró".

Diário de Pernambuco



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