É quase sempre assim.
Famílias entram em luta para manter o poder político. Os clãs Araquan e os
Benvindo, de Belém de São Francisco, sertão pernambucano, apostam na tática de
eleger vereadores para garantir influência sobre a polícia na cidade e ter
força numa disputa que começou com uma discussão de bar, em junho de 1988.
O primeiro morto foi
Clodoaldo Gonçalves, da família Araquan, que entrou alcoolizado no bar Asa
Branca, dos Benvindo, e xingou as mulheres da família rival. A discussão virou
tiroteio. Ele foi baleado por Antonio Maximiano da Cruz, dos Benvindo. Antonio admitiu
à polícia a autoria do crime: “Se levantar, eu mato de novo”. Em seguida, um
agricultor da família Benvindo foi morto por vingança. Era o início de uma
série de mortes.
Nessa época, fim da
década de 80, aumentaram os plantios de maconha nas ilhas e margens do rio São
Francisco – região que ficou conhecida como Polígono da Maconha. Os registros
da polícia indicam que agricultores das duas famílias começaram a plantar
maconha para comprar armas e munições. As plantações de cebola, milho e feijão
foram abandonadas na região do Sequeiro, caatinga sem fontes de água que
depende de irrigação.
Logo surgiram os dois
personagens mais importantes da luta: Jucicleilton Nascimento dos Santos, o
Cleilton Araquan, que embora não fosse da família tornou-se o principal líder
do clã, e Francisco José da Cruz, o ‘Chico Benvindo’, chamado de “Novo
Lampião”. Por ter pele negra, os Benvindo eram chamados de Negos pelos Araquan,
que por sua vez eram apelidados de galegos. A luta se espalhou a outros
municípios e envolveu outras famílias.
Comando Vermelho
As famílias começaram a
trocar maconha por armamentos com o grupo Comando Vermelho, do Rio. Quando o
governo federal mandou o Exército destruir as plantações de maconha, no final
dos anos 1990, o Comando Vermelho se afastou e as famílias ficaram sem
dinheiro. Elas avaliaram que, se elegessem vereadores, controlariam ações
policiais contra os rivais.
Vereadores
Em 1994, o vereador
Geraldo Gonçalves, o Geraldo da Rosa, eleito com apoio dos Araquan, teria sido
assassinado pela família Russo, de Cabrobó, ligada aos Benvindo. Um júri
popular absolveu por 7 votos a 0 o pistoleiro acusado pelo crime.
Em 1996, os Benvindo
lançaram a candidatura a vereador de Miguel Benvindo, pelo PFL. O partido foi
procurado pelos Araquan para lançar José Menezes. Miguel venceu; Menezes ficou
na suplência. Miguel foi assassinado. O inquérito da polícia, guardado no
cartório de Cabrobó, informa: “A 24 de outubro de 1997, pelas 17 horas, perto
da Fazenda Recanto, na BR-316, os denunciados em associação criminosa,
fortemente armados e com armas de diferentes calibres, deflagraram diversos
disparos contra Miguel”.
Os Benvindo avisaram ao
suplente que se ele assumisse a cadeira de vereador seria morto. A ameaça foi
cumprida. As mortes de políticos motivaram chacinas. O número de assassinatos
por vingança disparou. Naqueles dias, 18 homens armados da família Benvindo
invadiram o sítio Ipuera, reduto dos Araquan, e fuzilaram três agricultores do
clã rival. O inquérito destaca que os criminosos tinham armamentos pesados e
usavam capuzes e jaquetas da Polícia Federal. Após a chacina, o bando foi para
Belém, onde estava preso Osvaldo João dos Santos, o Vavá Araquan, parente dos
mortos. A polícia impediu que eles entrassem na delegacia.
Trégua
Chico Benvindo, líder
da família, chamou o primo e então vereador José Neto para tentar costurar um
acordo de paz com os Araquan. “A melhor forma é entrar em acordo. Eu mato dez,
eles matam dez. Eu mato cinco, eles matam cinco”, teria dito Chico, segundo
relato de Neto. “Você nunca sabia quem batia à porta: se a polícia ou o
inimigo. Todos vinham de colete. A polícia fornecia munição. Se não fizesse
acordo, a gente corria risco de morrer. Se fizesse, podia dar errado e a gente
morreria do mesmo jeito”, lembra o ex-vereador.
Durante o processo de
paz, os líderes das famílias foram mortos. Em abril de 2003, 45 homens da tropa
especial da polícia de Pernambuco entraram na caatinga para caçar Chico
Benvindo. Após 20 dias de perseguição, Chico morreu numa troca de tiros numa
ilha do São Francisco. Quase seis meses depois, era a vez de Cleilton cair.
Acompanhado de 15 homens na cidade baiana de Pilão Arcado, ele liderou assalto
a uma agência do Banco do Brasil. A PF o esperava. Ele conseguiu entrar na
agência e levar o dinheiro. Na perseguição, acertou um agente federal, mas foi
baleado e morto.
Cabeça quente
Osvaldo João dos
Santos, o ‘Vavá’, 47 anos (foto), é o atual chefe dos Araquan. Passou um ano e
dez meses na cadeia pela participação no assassinato do vereador Miguel Benvindo.
Numa tarde de sol, Vavá recebeu a reportagem na varanda da casa e seu sítio, em
Ipuera, rodeado de aliados. “Ninguém quer perder. Na hora que perde, o cabra
fica com a cabeça quente. Eu caçava de não começar”, conta. “Tenho 46 anos.
Isso não foi bom. A ignorância foi de todo mundo. A polícia só inflamou”. Vavá
disse que tenta retomar a vida de agricultor. “Hoje, tenho 70 gados e 200
ovelhas. A gente não consegue empréstimo. Não tem dinheiro para aumentar a
plantação e a criação. Aqui é lugar de sequeiro. A vida sempre foi cacete
mesmo“.
Não há mais morador no
Sequeiro. As casas estão abandonadas, os poços destruídos, as bombas e canos
para irrigar a terra com a água do rio foram perdidos. Quem deixou a região no
tempo da luta de famílias não tem dinheiro para recomeçar a vida. O conflito destruiu
a economia de subsistência, a pecuária de leite, as criações de cabras e o
comércio de feijão, milho e cebola.
Agora, são as cruzes
dos mortos que vão sendo encobertas pelos cactos. A vereadora Wiliany Cruz, 22
anos, filha de José Neto, do PDT, é a única representante dos Benvindo na
Câmara de Belém de São Francisco – os Araquan estão sem assento. Secretária
municipal da Juventude, ela teme, agora, a luta contra o crack. (Fonte/foto: O
Estado de Paulo)
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Francisco, Benvindo, Famílias, Poder, Sertão
Com informações de Carlos Britto.
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