Instituto de Defesa dos Direitos Humanos (DDH) ficou com quase 80% do que foi arrecadado em campanha para a família do pedreiro. Viúva e cinco dos seis filhos moram em uma casa de dois quartos que precisa de reformas
Desde julho do ano
passado, o pedreiro Amarildo Dias de Souza é o símbolo máximo da luta contra a
ação de maus policiais no Rio de Janeiro. O "Cadê o Amarildo?" foi
usado tanto para cobrar providências como para embalar a série de manifestações
contra o governador Sérgio Cabral. O corpo do homem de 43 anos que, para o
Ministério Público, foi torturado e morto por PMs de uma Unidade de Polícia
Pacificadora (UPP), nunca foi encontrado. A família do pedreiro passou a viver,
depois de seu desaparecimento, num quadro agravado da pobreza na qual já se
encontrava. Uma bem intencionada campanha conclamou artistas, intelectuais e
doadores a contribuir com a viúva e os seis filhos do pedreiro. O “Somos Todos
Amarildo” deu resultado. Comandado pela empresária e produtora Paula Lavigne, o
projeto arrecadou 310.000 reais em dois eventos: um leilão de arte e objetos de
famosos e um show no Circo Voador, com participação de Caetano Veloso e Marisa
Monte. A família do pedreiro, no entanto, ficou com a menor parte: com a compra
de uma casa e de mobília, foram gastos, respectivamente, 50.000 e 10.000 reais.
O restante do dinheiro – 250.000 reais – ficou com o Instituto de Defesa dos
Direitos Humanos (DDH), ONG que se tornou notória por defender black blocs e
tem, entre seus diretores, um assessor do deputado estadual Marcelo Freixo
(PSOL), o advogado Thiago de Souza Melo.
Um dos organizadores do
evento, que pede para não ser identificado, afirmou ao site de VEJA que, desde
o início, a família sabia que não ficaria com o montante total do dinheiro –
apesar de o uso do nome do pedreiro dar a entender que o valor seria destinado
a ela. Mas foi informada, na ocasião, que ficaria com metade – o que, nos
valores de fato arrecadados, corresponderia a 155.000 reais. “Soubemos na época
que ficaríamos com metade. Como recebemos 60.000, eu pensava que o total era de
120.000”, diz Anderson Dias, de 21 anos, o primogênito, que administra, com a
mãe, Elizabeth, as contas da família.
Moram na casa, além dos
dois, os filhos Amarildo, de 18 anos; Beatriz, 13; Alisson, 10; e Milena, 6.
Todos em uma casa de dois quartos, sala, cozinha e banheiro. Só um dos filhos
de Amarildo – Emerson, de 20 anos – não vive no imóvel. A área de serviço – que
não tem janela – está sendo adaptada para servir como dormitório. Segundo
Anderson, a casa que a família recebeu é uma construção antiga, com defeitos na
rede elétrica e na parte hidráulica. Devido aos problemas encontrados, os
filhos procuraram o advogado João Tancredo, presidente do DDH, para saber sobre
a possibilidade de uma reforma. “Fiz um orçamento no valor de 45.000 reais. Mas
Tancredo me disse que não tinha mais dinheiro", afirma.
Os 10.000 reais que a
família recebeu para comprar os móveis para a casa também não foram
suficientes. Elizabeth não conseguiu comprar mesa, cadeiras e fogão. "Fiz
uma lista com o que era indispensável, mas tive que cortar muita coisa. Não deu
nem para comprar o fogão. Pedi a minha cunhada para usar o cartão dela e vou
pagando aos poucos", conta Elizabeth. "Não tive coragem de pedir mais
dinheiro, porque achei que a outra parte seria destinada a outras pessoas
pobres. Mas vou conversar sobre isso com o advogado".
O presidente do DDH
afirma que o acordo previa o repasse para a entidade de aproximadamente 250.000
reais obtidos com o leilão e o show. "Inicialmente, o projeto se resumiria
a arrecadar fundos para a aquisição de uma casa em condições adequadas para a
família de Amarildo. Mas logo se viu que seu desaparecimento não era um caso
isolado", explicou Tancredo, por e-mail, ao site de VEJA. Segundo ele, os
recursos serão aplicados em um “projeto ainda indefinido”. As opções aventadas
pela ONG envolvem o custeio de uma pesquisa para traçar o perfil dos
desaparecidos, um serviço de atendimento de familiares de desaparecidos, o
acompanhamento jurídico de casos do tipo ou a formação de uma rede para debater
o tema. É dificil acreditar que quem contribuiu com o “Somos Todos Amarildo”
desejava que seu dinheiro tivesse esse destino incerto. O cheiro de oportunismo
é fortíssimo.
O pedreiro que virou
mártir das manifestações
Enquanto o governador
Sérgio Cabral e o prefeito Eduardo Paes eram linchados pela opinião pública no
Rio de Janeiro, surgiu como mártir dos protestos de rua iniciados em junho a
figura de um homem negro cujo nome foi repetido à exaustão nas manifestações.
“Cadê Amarildo?”, cobravam os manifestantes. O caso, que resultou na denúncia
de 25 PMs, tornou-se um dos maiores problemas do ano para o secretário de
Segurança, José Mariano Beltrame. Amarildo, segundo o Ministério Público, foi
capturado por ordem do major Edson Santos. A captura seria, inicialmente, para
forçar o pedreiro – também chamado de Boi – a informar o paradeiro de armas e
drogas dos traficantes. Entrou em cena, então, a velha prática da polícia no
Brasil, de obter confissões e relatos por meio de tortura. Um grupo de
policiais começou a “trabalhar a testemunha” – ou seja, torturar o pedreiro.
Amarildo foi visto pela última vez no dia 14 de julho, e as câmeras que
deveriam registrar a movimentação no entorno da Unidade de Polícia Pacificadora
(UPP) apresentaram, coincidentemente, um defeito naquele dia, impedindo a
gravação dos detalhes da captura e o transporte do pedreiro.
A decisão sobre o uso
dos recursos — dizem os responsáveis pelo DDH — deve sair a partir do segundo
trimestre do ano, quando será formado um comitê de "notáveis e
pesquisadores".
O DDH ficou conhecido
nacionalmente depois da morte do cinegrafista Santiago Andrade. A ativista
Elisa Quadros, conhecida como Sininho, ofereceu assistência jurídica a um dos
acusados pelo crime, o tatuador Fábio Raposo Barbosa – conhecido como “Fox”. Como
Sininho citava o nome de Marcelo Freixo, acabou envolvendo o deputado na
confusão. O instituto, que tem atuado em favor de manifestantes detidos pela
polícia durante protestos no Rio de Janeiro, chegou a defender Raposo em
outubro, antes do episódio que tirou a vida do funcionário da TV Bandeirantes.
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