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Em 2000, Seu Florisval fez articulações em 35 cidades alagoanas para dar vida à ASA Alagoas. A única pausa no trabalho aconteceu em 2007, por conta de um grave acidente. Recuperado, voltou a cuidar da própria agrofloresta e atuar como educador popular, além de ser uma referência como agricultor experimentador. Para abrir este mês em que a ASA completa 15 anos de existência, entrevistamos Seu Florisval. O agricultor luta pelo novo imaginário da região através da história de envolvimento com sindicatos, igrejas, associações e organizações que formaram e formam a diversidade da ASA. Na sua história de homem que nasceu e convive com o Semiárido, o senhor sempre lutou por mudanças. Poderia nos apresentar um pouco desta história? Nosso Estado de Alagoas sempre foi muito carente no sentido de administração pública. Naquela época [década de 1960], principalmente, o governo não priorizava a educação. Eu não me conformava porque as pessoas entre 12 e 14 anos não sabiam ler nem escrever porque não tinha escola. Meu pai e minha mãe tinham 12 filhos e a gente tinha que ir para a roça para ajudar na manutenção da família. Isso me deixava inquieto. Então, fiz uma viagem [de Craíbas (AL)] para Olho D’água das Flores (AL) que me trouxe uma decisão que “ou eu fazia ou fazia”. Porque eu encontrei meninos e meninas com mais condição na educação, eles sabiam ler e escrever. A partir deste momento, fiquei arrasado, porque até para pegar o ônibus na viagem eu não sabia ler o itinerário e ficava perguntando às pessoas. Então, na volta, decidi mudar. Eu me organizei com um grupo de sete pessoas, entre irmãos e primos, para combinar com um amigo da comunidade que sabia ler e escrever. Fomos estudar. Ele nos ensinou as primeiras coisas da escola. A partir daí a gente começou a procurar, a cobrar do pessoal da administração [governamental] e começaram a surgir algumas escolas. Mesmo assim, as escolas ainda tinham muitas carências e algumas eram apenas passageiras nas comunidades. Funcionavam até dois anos. Então, a dificuldade sempre esteve presente na minha vida. Mas a gente não se conforma; não se entrega. Nos envolvemos nas lutas com a igreja, com jovens, sindicatos. Aqui também criamos o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais de Craíbas e sempre lutamos por mais escolas. Depois veio a luta pela terra. Fiz parte dos primeiros assentamentos daqui, numa época em que era muito perigoso. Estava arriscando a própria vida, numa época em que o pessoal perseguia mesmo. Acompanhávamos também outras lutas. Tínhamos encontros com os metalúrgicos em São Paulo, como Movimento Sem Terra, de lugares onde a luta era forte. A gente foi, aos poucos, se engajando e criando meios de participação dentro de associações, sindicatos e cooperativas. E assim a gente fez essa história. E foi muito difícil porque naquela época o pessoal não tinha essa ideia. Era uma coisa [ideologia política] nova, diferente. Então como foi o desafio de fortalecer esse processo de resistência popular neste cenário, considerando que além da luta pelo direito à educação, também vivíamos o período da ditadura militar? Eu me lembro que uma das coisas que movia a gente era também o pessoal da igreja. Tinha alguns padres que adotavam a Teologia da Libertação. Então a gente também se ajudava se esteando nessa história da igreja. Até que a gente participou de um movimento na época que se chamava ACR, que significava Animação dos Cristãos do Meio Rural. Tinha um padre francês que chegou aqui no Brasil, e no Nordeste principalmente, que começou a fazer uma evangelização mais voltada para a conscientização das pessoas. Era um trabalho que fazia um resgate e valorizava um pouco da vida das pessoas. Havia também uma tentativa de fazer com que as pessoas assumissem esse compromisso de luta. Acho que a igreja deu uma contribuição muito boa. Após isso, teve a Pastoral da Terra, que hoje é a CPT. Então, esses movimentos de igreja também deram sua colaboração ao movimento de agricultores e agricultoras. Então tudo isso junto fazia a gente resistir. A gente tinha pouca terra para uma família grande. Não dava nem cinco hectares e era para 12 filhos, em uma terra não muito boa. A gente tinha essa sede também da luta pela terra e se falava na reforma agrária. Íamos para encontros, reuniões para discutir a reforma agrária. E nessa questão da repressão a gente enfrentava. Tínhamos a nossa tática para não enfrentar de qualquer jeito. Tínhamos os nossos segredos, as nossas lutas. A gente se reunia muitas vezes até clandestinamente para não ser perseguido de forma tão forte pela ditadura e na esperança de termos o que temos hoje, a democracia. Fomos participando e conquistando, já que estávamos no movimento sindical, também surgiu a CUT, Central Única dos Trabalhadores. E fomos capacitados nos encontros, nos congressos das centrais sindicais, dos movimentos de igreja. Tudo isso junto fez com que a gente não largasse pé da caminhada e alimentasse a esperança. E aí é quando surgiu a ASA com essa força e essa garra, garantindo que a gente possa acreditar na convivência. Aproveitando este tema, podemos falar que a ASA surge, formalmente, em 1999. Porém, como estava o cenário de articulações por melhorias para Semiárido em Alagoas anos antes do nascimento formal da ASA? Nós já tínhamos alguns movimentos aqui no Estado, como as associações. Por exemplo, a Associação de Agricultores Alternativos, a Cooppabacs [Cooperativa de Pequenos Produtores Agrícolas dos Bancos Comunitários de Sementes] e em alguns sindicatos já existia a ideia de convivência com o Semiárido. Existia a ideia de como melhor se conviver com esta região, já isso era visto como tão difícil. A agricultura era vista como de pouca chance para sobrevivência por conta do clima “pesado”. Eram anos com safra e outros sem safra. Tudo isso era uma preocupação e a gente continuava a lutar. Tinha o Grito pela Terra, que a gente juntava todas as entidades e passava dias na capital [Maceió], protestando, arrancando, de toda forma, uma audiência com os governadores e secretários. Íamos também atrás de prefeitos. A luta era sempre essa. Na época era luta por cesta básica. Tinha também as frentes de emergência que exigíamos para os pequenos produtores, luta pela água. Para Ater [Assistência Técnica e Extensão Rural], a gente também ia cobrar da Emater [Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural]. A gente sempre teve esse envolvimento e essa luta na perspectiva de melhoria de vida pela convivência com o Semiárido. E a gente conseguia se articular com os movimentos que tinham em outros estados também, como o Patac, na Paraíba – eu sempre fui um admirador do Patac -, depois apareceu o pessoal do Irpaa, de Juazeiro, na Bahia. E, entre 1998 e 1999, eu fiz o primeiro curso baseado na convivência com o Semiárido com o pessoal do Irpaa, com dois temas interessantes “Roça na caatinga e criação de pequenos animais” e “A busca da água no sertão”. Esses cursos me ajudaram muito. Foram 15 dias e a gente não tinha uma formação pedagógica e escolaridade completa, mas esse curso me ajudou muito a compreender a história da convivência. Então, a gente já tinha um pouco dessa caminhada nessa época. Do surgimento da ASA para os dias atuais se passaram 15 anos. O que mudou neste período?
E como podemos intensificar essa luta, considerando que temos uma nova geração de jovens que não vivenciaram esses momentos distintos que você citou?Precisamos reativar mais a militância dentro dos movimentos sociais. E eu sou um pouco partidário. Acho ainda que precisamos melhorar também a militância dentro dos partidos. Quem faz parte dos partidos que contribuem com essa transformação precisa retomar. Percebemos que a juventude e algumas pessoas que não vivenciaram o que a gente vivenciou começa a acreditar em pessoas que vêm com outros papos dizendo que vai fazer uma mudança. Acho que começa a se embebedar dessa coisa que alguns espertos querem fazer no Brasil, dizendo que precisa de mudança. Agora, quais mudanças? A gente precisa perguntar isso. Eu tenho feito isso nas próprias discussões da ASA nos cursos que realizamos. A gente precisa saber das pessoas sobre que mudança elas querem. Como era antes? A gente precisa fazer esse resgate. Precisamos dessa injeção pela militância e na juventude, principalmente, para que a gente possa fazer esse resgate. Eu e muitas pessoas da minha idade fomos criados analfabetos ou semianalfabetos.
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quinta-feira, novembro 06, 2014
DA PARA CONVIVER COM A SECA! SÓ TER APOIO E INICIATIVAS
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