O médico Jonas
Schmidt-Chanasit, do Centro de Colaboração e Pesquisa para Arbovírus e Febre Hemorrágica
da Organização Mundial de Saúde, disse à BBC Brasil que evitar a gravidez pode
ser uma estratégia para mitigar os riscos de ocorrência de casos de
microcefalia causada pelo zika vírus.
Em entrevista
telefônica, o especialista, que leciona no Instituto Bernhard-Nocht para
Medicina Tropical em Hamburgo, Alemanha, destacou que adotar políticas públicas
de controle de natalidade é um assunto sensível, mas pode funcionar.
"Essa é uma
questão complicada porque há muitos fatores.(…) É uma decisão muito difícil
dizer: 'Você não pode ficar grávida'. Eu não quero dizer isso às mulheres. Elas
precisam saber por si só, mas isso foi recomendado".
"Isso vai causar
um grande problema, se muitas mulheres jovens não são permitidas ou são
desaconselhadas a engravidar por causa desse risco. Eu seria cuidadoso em
apoiar isso, pois sabemos muito pouco, mas se você quer algo decisivo, sim, eu
aconselharia mulheres a não engravidarem neste momento para reduzir os riscos
ao bebê. Isso seria uma estratégia."
De acordo com o
especialista da Organização Pan-Americana de Saúde Marco A. Espinal é preciso
"acompanhar as mães com cuidado e fazer ultrassom no terceiro trimestre
para garantir um diagnóstico o mais precoce possível".
Espinal reconheceu que,
caso muitas mulheres optem por não engravidar, isso poderá ter impactos
demográficos como a diminuição da população.
Ele acrescentou que
mesmo que uma mulher descubra estar infectada com o zika vírus no primeiro
trimestre, isso não significa que o bebê desenvolverá microcefalia.
"Ainda não sabemos
como o vírus passa pela placenta, ainda não sabemos a probabilidade de gerar
uma má-formação. Só porque uma grávida tem o zika vírus não quer dizer que o
bebê será microcéfalo". Espinal ressalta ainda que o primeiro trimestre
"é o mais delicado, quando mulheres podem adoecer muito facilmente".
Ambos os especialistas
afirmaram que microcefalia não é necessariamente causada apenas pela exposição
ao zika vírus, pois não estaria claro o quanto outros agentes patogênicos
contribuíram para a presente epidemia de más-formações.
"Pode ser que o
citomegalovírus, que é um vírus de herpes, esteja agindo em conjunto com o
zika. Ou ainda, pode ser um novo vírus que está emergindo e ainda não
conhecemos. Realmente não sabemos", disse Schmidt-Chanasit.
Epidemia
Em meio à epidemia de
zika vírus, já foram constatados mais de 1.248 casos de microcefalia o Brasil.
No último fim de semana, o Instituto Evandro Chagas estabeleceu a conexão entre
o vírus e más-formações no feto ao encontrar a presença de zika em amostras de
tecido e sangue de um recém-nascido microcéfalo.
A Organização Mundial
de Saúde reconheceu a relação entre os bebês microcéfalos e a doença tropical,
mas afirmou que não é possível confirmar se a relação entre eles seria de
causalidade.
De acordo com
Schmidt-Chanasit, o vírus é tão nefasto para as grávidas quanto a rubéola e a
precaução deveria ser semelhante. "Antes de tentar engravidar você testa
para ver se há anticorpos e aí toma a vacina, no caso da rubéola. Com o zika
vírus é exatamente a mesma coisa, mas a diferença é que para ele ainda não há
vacina".
Conforme disseram ambos
os especialistas, o exame ultrassom é útil para detectar a má-formação, mas
isso acontece quando já "é muito tarde". Dr. Schmidt-Chanasit
ressalta que somente o teste de presença de anticorpos é realmente relevante
para as mulheres que pretendem engravidar.
Schmidt-Chanasit
explicou que futuras mães que já foram expostas ao vírus estão protegidas
contra a microcefalia e, portanto, liberadas para engravidar: "A
microcefalia é associada à infecção aguda, pelo o que sabemos atualmente. Não
está relacionada a infecções passadas, que ocorreram há seis meses atrás.
Apenas a presença de anticorpos contra o vírus poderá proteger as mulheres que
querem engravidar".
"Não é uma doença
reincidente. O corpo desenvolve imunidade e supera o zika", resumiu
Espinal.
Os dois médicos,
entretanto, ressaltaram que o vírus poderá vir a sofrer uma mutação, o que o
tornaria perigoso mesmo para mulheres que já superaram a infecção.
Análise
A análise laboratorial
específica para anticorpos do zica ainda é muito restrita e estaria disponível
exclusivamente em centros de pesquisa internacionais, como no americano CDC,
Centre for Control Disease and Prevention, no francês Institut Pasteur e no
próprio Instituto Berhard-Nocht.
A pesquisadora da
Universidade Federal do Rio de Janeiro Renata Campos explicou que o Brasil
possui exames de detecção do zika vírus, mas não de triagem de anticorpos
refinada, que façam distinção ente a resistência à dengue, ao zika e a outros
tipos de arboviroses.
Em parceria com o
Instituto Bernhard-Nocht, a UFRJ desenvolve um estudo comparativo entre
mulheres grávidas diagnosticadas com o zika. O laboratório carioca vai analisar
amostras de mães com bebês microcéfalos e com bebês normais, para reconhecer as
distinções entre as duas populações. O resultado deverá contribuir para o
futuras pesquisas na criação de uma vacina ao vírus.
Recomendações
A médica infectologista
Regina Coeli, do Hospital Oswaldo Cruz em Pernambuco, afirma que a gravidez é
uma decisão de cada pessoa. "Não dizemos para as mães que não engravidem.
Mas é muito importante fazer o pré-natal corretamente, fazer os exames. Muitas
mães só descobrem (que a criança tem microcefalia) depois que nasce porque não fizeram
o pré-natal."
"Nossa orientação
é que usem repelentes, elas podem usar desde o início da gestação. Devem usar
na pele e também por cima da roupa. Repelentes caseiros, cujas receitas já
circulam por aí, não têm embasamento científico e não são confiáveis."
Já o secretário de
Saúde de Pernambuco, Iran Costa afirma que a recomendação é clara para as
grávidas: "que conversem com seus médicos sobre isso".
"Para a gravidez
não planejada, a mulher precisa se proteger, usar o repelente e roupas mais
compridas, não se aproximar de pessoas que já estejam com exantema (manchas na
pele) porque o mosquito pode estar próximo e ir de um para o outro."
Fluidos
Além de ocorrer por
meio de picada do mosquito Aedes aegypti, o contágio do zika vírus também pode
se dar por contato com fluidos corporais, mas isso não é razão para pânico,
salienta o Dr. Schmidt-Chanasit.
"Não podemos
comparar o zika vírus ao HIV, por exemplo. Só pode se transmitir o zika quando
o vírus está circulando no sangue e essa situação é breve. Dura apenas o
período compreendido entre uns dois dias antes de você ficar doente e uns dois
dias enquanto você já está doente. Somente então pode ocorrer a transmissão por
relação sexual", explicou.
"Mas eu acho que
se você está doente, com febre e cansado, não vai tem vontade de ter relações
sexuais, o que torna esse contágio bastante improvável", concluiu.
G1
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