Por diversos fatores
sociais e culturais ser mulher no interior do Nordeste não é uma tarefa fácil.
E pelos mesmos motivos, alcançar o desenvolvimento pessoal através de uma
atividade artesanal onde se projeta o próprio negócio em um cenário hostil à
liberdade feminina é um desafio sem tamanho.
Pois é neste cenário no
Sertão alagoano, mais precisamente em Maravilha, cidade que possui pouco mais
de 10 mil habitantes e quase nada de oportunidades para quem quer crescer na
vida, que um grupo de mulheres – formado em sua maioria por agricultoras e
domésticas – se uniram para mudar as perspectivas e traçar uma nova história
para suas vidas.
A história começa em
2006 com a criação da associação e fábrica de sabonetes artesanais de leite de
cabra, a Natucapri. E prossegue em 2016 com inúmeras outras barreiras e
dificuldades que continuam a exigir persistência das mulheres que constroem dia
a dia um empoderamento que vai além da liberdade financeira e social.
Entre as mulheres mais
antigas do grupo está a empreendedora e atual presidente da Natucapri, Maria
José dos Santos, 41 anos.
“Eu era agricultora e
dona de casa. Trabalhava com meu marido e cheguei na associação em 2007 porque
queria fazer algo diferente. Trabalhar fora de casa e ter meu próprio dinheiro.
E foi dessa forma que conheci uma nova vida, uma outra forma de trabalho,
pessoas e até mesmo outras cidades e estados. Algo imaginável no passado”,
conta.
“Neste 9 anos de
associativismo, devido às dificuldades financeiras que ainda existem,
comprometendo nossas receitas e lucros, acredito que o mais importante foi o
desenvolvimento pessoal gerado pelo conhecimento adquirido no dia a dia. Pois
muita gente que passou por aqui se não conseguiu a independência financeira, ao
menos conquistou a independência pessoal, que permitiu alcançar outros
trabalhos e até mesmo vagas em universidades”, completa Maria José.
Independência que é
almejada pela empregada doméstica e associada Quitéria Lúcia, 37. “Fui criada
na roça e de lá passei a trabalhar em casa de família em busca de uma vida
melhor. Ao chegar na associação fiquei feliz porque vi outra alternativa para
poder alcançar a independência financeira. Aqui mudei a forma de falar, era
muito tímida, passei a estudar e a compreender um pouco sobre o mundo dos
negócios”, diz.
A diretora de Marketing
da Natucapri, Ana Patrícia, explica que o grupo formado por 15 mulheres fabrica
hoje com o leite de cabra hidratantes e sabonetes em barra e líquidos com
essências medicinais e aromatizadas.
“O leite de cabra
compramos com produtores da região e as demais matérias-primas trazemos de
fora. Com eles fazemos sabonetes de aroeira, juá, babosa, capim-limão,
camomila, aveia e mel, canela, erva doce, morango e maracujá que são
comercializados por nós mesmas em feiras, em porta em porta e alguns pontos
específicos em Maceió”, conta Ana Patrícia.
Ela diz que apesar da
qualidade e aceitação do produto artesanal, as dificuldades de produzir e
manter uma associação em uma cidade do interior como Maravilha são muitas.
“Sabemos que temos um
bom produto. Com qualidade e aceitação. E que a cooperativa já é um sucesso. No
entanto, as dificuldades continuam de certa forma que muitas vezes pensamos em
desistir. Mas quando isso acontece, sempre ocorre algo positivo que nos faz
renovar as energias para continuar”, completa.
De associação à
cooperativa
Responsável em prestar
consultoria para que o negócio de sabonetes no Sertão de Alagoas continue
projetando desenvolvimento pessoal e financeiro, a analista técnica da Unidade
de Agronegócio do Sebrae, Pollyana de Cassia Soares Bellotti, relata que os
trabalhos junto à Natucapri começaram em 2003, quando o Serviço Brasileiro de
Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), começou a atuar com o Arranjo
Produtivo Local (APL) do setor de caprinos e ovinos.
“A fabricação de
sabonetes com leite de cabra era feita por duas mulheres da cidade de forma amadora.
Diante disso, o APL mostrou como elas poderiam trabalhar em grupo. Apresentou o
associativismo fazendo com que aos poucos outras mulheres se integrassem na
ideia”, conta Pollyana.
“Porém, com o
associativismo as mulheres trabalhavam, mas não podiam ter lucro. Com isso,
elas passaram de associação para cooperativa. Isso mudou o negócio e elas
começaram a participar de feiras e eventos de empreendedores. Hoje, apesar do
produto ser pouco comercializado na cidade, os sabonetes e o grupo são bastante
conhecidos. Tanto que os produtos já são cobiçados por todo o Nordeste”,
completa a analista do Sebrae.
Com um novo gás, elas
foram fazendo mais cursos, melhorando e ampliaram a produção. Antes era
produzido só sabonete em barra. Hoje são produzidos sabonete menor para hotel,
sabonete líquido e hidratante. E para que o produto se adequasse à legislação
da Anvisa, o grupo recebeu consultoria de um químico oferecido pelo Sebrae.
“O químico fez análises
nas fórmulas usadas e verificou algumas falhas, como por exemplo, sabonete que
derretia rápido. Então foram feitos vários testes que, além de melhorar o
produto, o colocaram em conformidade com a legislação. Foram feitas as
adequações, mudadas as essências e o produto melhorou e ficou mais consistente
e resistente, seguindo o padrão exigido na linha de cosmético”, explica a
analista.
Com o apoio do PNUD,
uma articulação entre a Agência de Fomento de Alagoas e o Sebrae foram
realizados cursos em áreas como empreendedorismo, cooperativismo, gestão de
negócios, design, associativismo e outras necessidades. “A forma do produto
mudou. A marca também foi adaptada para o produto delas. Elas também aprenderam
sobre mercado e vendas e a parte comportamental com consultorias e vendas”,
expões Pollyana.
Autoestima e
desenvolvimento pessoal
A partir do surgimento
do projeto, não foi só a renda das mulheres que aumentou, mas a autoestima.
“São mulheres que nunca saíam do município e começaram a ter um trabalho e
viajar. Aprender a lidar com negócio e computador. Os filhos também se
envolveram na atividade e ajudam principalmente com relação a anotações e
computadores”, disse a analista do Sebrae.
O grupo aguarda uma
inspeção da Vigilância Sanitária para receber o selo sanitário e então expandir
as vendas no Brasil e depois ao exterior. Atualmente, elas vendem em feiras e
tem o contato direto com o cliente por encomenda. Mas determinados eventos e
feiras exigem o selo definitivo da Anvisa.
“Hoje elas tem o
provisório. Com a certificação vão poder vender pela internet, fazer
panfletagem, vender para farmácias de manipulação, supermercado e outros”,
explicou Pollyana.
O processo de
certificação da Natucapri está em andamento.
Segundo o Sebrae, a maior pendência é adequar a questão da estrutura
física, que deve ser pelo período de cinco anos. “Tem que ter ainda alguns
equipamentos que estão precisando e a legislação exige. Alguns elas têm, mas
terá que ser feita uma reciclagem”, disse Pollyana.
A analista do Sebrae
disse que a perspectiva é de crescimento para as cooperadas. “A saboaria é um
dos setores menos afetados pela crise. Com a certificação e o negócio mais
consolidado, a tendência é o Sebrae deixar que elas andem por conta própria.
Nossa proposta é incentivar e fomentar o empreendedorismo e chega a um ponto
que elas andam sozinhas”, destacou.
Jornal Maceio.com
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