Quanto custa eleger um
candidato na base da desonestidade, da troca de favores?
O Fantástico mostra um
retrato contundente da corrupção no Brasil, nas palavras de especialistas.
Gente que conhece por dentro as tramoias da política.
Guarde bem este nome:
Cândido Peçanha. Um deputado eleito democraticamente que faz tudo pelo poder.
“A compra do voto no dia da eleição sai a R$50, o voto”, afirma.
Não tem honra.
“Político não tem remorso. Político tem conta bancária”, destaca.
Não sabe o que é ter
escrúpulos. “Existem várias formas de desviar dinheiro público”, revela.
Você saberá tudo sobre
esse político. Só não vai conseguir ver o rosto, porque Cândido Peçanha não
existe na figura de uma pessoa só. Cândido Peçanha é um personagem criado pelo
juiz de direito Marlon Reis para o livro "O Nobre Deputado".
“É a representação de
parlamentares que existem, que ocupam grande parte das cadeiras parlamentares
do Brasil e que precisam deixar de existir”, afirma Marlon Reis, juiz de
direito.
Para criar o
personagem, o juiz Marlon Reis ouviu histórias reais de mais de 100 pessoas que
transitam no mundo político. Entre elas, um ex-deputado federal que vai se
candidatar novamente nessas eleições.
“Não precisa fazer
muita coisa para ter o voto porque a população não tem força nem segurança para
contestar nada”, destaca o ex-deputado.
E dois assessores
parlamentares, que o Fantástico ouviu com exclusividade.
Assessor: Durante muito
tempo fui militante político, desde cabo eleitoral, assessor, faz tudo.
Fantástico: E fazer tudo era também intermediar algumas coisas, a pedido dos políticos, desonestas?
Assessor: Quando necessário.
Fantástico: E fazer tudo era também intermediar algumas coisas, a pedido dos políticos, desonestas?
Assessor: Quando necessário.
Eles revelam o
‘bê-a-bá’ da corrupção. Tudo com garantia do anonimato.
Fantástico: O senhor
decidiu denunciar por quê?
Assessor: Veja bem, se você for no interior, muitas crianças passando fome, casas de taipa, estradas sem asfalto. Isso indigna a gente. Sempre tive consciência disso. Só não podia denunciar. Quem denuncia, morre. Nego mata aí brincando.
Assessor: Veja bem, se você for no interior, muitas crianças passando fome, casas de taipa, estradas sem asfalto. Isso indigna a gente. Sempre tive consciência disso. Só não podia denunciar. Quem denuncia, morre. Nego mata aí brincando.
Com base nesses
depoimentos, o juiz, que foi um dos principais defensores da “Lei da Ficha
Limpa”, conseguiu descobrir como nasce, cresce e se perpetua um corrupto na
política brasileira.
Tudo começa na eleição.
E para ganhá-la é preciso ter dinheiro. Muito dinheiro.
“Para ser eleito é
preciso pagar, comprar apoio político, e que é essa a base dos gastos de
campanha”, afirma Marlon Reis.
Uma gastança que faz do
Brasil um recordista mundial: proporcionalmente à riqueza do país, aqui são
feitas as campanhas mais caras do planeta.
Nas últimas eleições,
em 2012, os gastos ultrapassaram R$ 4,5 bilhões. E tem mais: das cinco maiores
doadoras de campanha, três são empreiteiras. Mas também há quem levante
dinheiro por baixo dos panos.
“Todos os entrevistados
mencionavam sempre que é a agiotagem. O uso da agiotagem como fundo de dinheiro
para política, que me surpreendeu”, ressalta o juiz.
Isso significa que
candidatos - como o “Cândido Peçanha” - recorrem até a empréstimos ilegais. O
pior é que tudo terá que ser pago depois da posse.
Assessor: Ele entra no
mandato endividado. Ele precisa do dinheiro.
Fantástico: Mas como ele faz para pegar esse dinheiro e jogar na mão do agiota sem ser notada a falta do dinheiro no cofre?
Assessor: Existem várias maneiras de fazer isso.
Fantástico: Mas como ele faz para pegar esse dinheiro e jogar na mão do agiota sem ser notada a falta do dinheiro no cofre?
Assessor: Existem várias maneiras de fazer isso.
Segundo o assessor, um
dos alvos é o dinheiro para a educação.
Assessor: O cara saca o
dinheiro e entrega para ele. Normal.
Fantástico: Mas não teria que sacar e comprovar onde gastou?
Assessor: Para quem?
Fantástico: Para a Câmara dos Vereadores.
Assessor: Como assim, se os vereadores são cúmplices?
Fantástico: Ou, se for o governador, para a Assembleia Legislativa.
Assessor: Que também é cúmplice.
Fantástico: Mas tem o Tribunal de Contas do Estado.
Assessor: Que também é cúmplice.
Fantástico: O senhor quer dizer que todos são envolvidos?
Assessor: Cúmplices. Todos são. É uma máfia.
Fantástico: Mas não teria que sacar e comprovar onde gastou?
Assessor: Para quem?
Fantástico: Para a Câmara dos Vereadores.
Assessor: Como assim, se os vereadores são cúmplices?
Fantástico: Ou, se for o governador, para a Assembleia Legislativa.
Assessor: Que também é cúmplice.
Fantástico: Mas tem o Tribunal de Contas do Estado.
Assessor: Que também é cúmplice.
Fantástico: O senhor quer dizer que todos são envolvidos?
Assessor: Cúmplices. Todos são. É uma máfia.
Para as empreiteiras,
são criadas licitações fraudulentas, obras superfaturadas.
"As empresas, elas
não doam. Elas antecipam um dinheiro que será depois obtido e multiplicado por
muitas vezes através de contratos dirigidos e direcionados", explica Reis.
Um estudo do Instituto
Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj) revelou quanto as 10
maiores doadoras de campanha no Brasil em 2010 lucraram nos dois anos seguintes
em contratos com o governo eleito: um valor 20 vezes maior do que foi doado.
“Uma relação de causa e
efeito entre o ato de doar e o que pode vir depois, contratos com poder
público”, diz Carlos Velloso, ex-presidente do TSE.
Com os agiotas o
retorno é mais direto e danoso.
"Aparenta uma
doação mas, na verdade, é um empréstimo que será pago a duras penas pela
sociedade. Incrível o que eles relatam: 10% a 20% ao mês de juros",
detalha Reis.
“O agiota recebe o
cheque da conta pública. É um sistema perverso, quem paga é a população, não é
o prefeito”, afirma o assessor.
Os moradores de São
Pedro da Água Branca, no sul do Maranhão, sentem na pele os efeitos da
falcatrua.
“No momento, aqui tá
faltando um bocado de coisa. Tá faltando a merenda dos meninos que estão
cobrando de nós e não temos”, conta Francisca Isaura Araujo, zeladora de uma
escola.
Um levantamento feito
por cinco escolas do município de São Pedro da Água Branca revelou que em 2008
houve a maior evasão escolar do estado do Maranhão. Naquele ano de eleições
municipais, 35% das crianças abandonaram as salas de aula porque não tinham o
que comer na hora do recreio. Ou seja: um terço dos alunos simplesmente deixou
de estudar. De acordo com a denúncia do Ministério Público, acatada pela
Justiça, o dinheiro que era da merenda escolar, que deveria ser gasto nas cantinas
das escolas, foi usado para comprar votos.
“As investigações
conseguiram demonstrar que foram feitas diversas transferências bancárias com
recursos públicos para conta da campanha”, ressalta a promotora Raquel Chaves
Duarte.
O Fantástico foi atrás
do ex-prefeito Idelzio Oliveira, o Juca, mas não o encontrou. Ele também não
foi encontrado pelo oficial de Justiça que há duas semanas tenta informá-lo da
condenação: nove anos e seis meses de cadeia.
“Tem vez que passa
semana aqui sem merenda”, revela o estudante Emerson Conceição.
“A gente não estuda
direito com fome”, afirma o estudante Artur Coelho.
Como a despesa costuma
ser grande, depois de eleito o Cândido Peçanha já pensa nos gastos da próxima
eleição.
Fantástico: O que
custaria uma reeleição de deputado federal?
Assessor: Acima de R$ 5 milhões.
Assessor: Acima de R$ 5 milhões.
Uma fortuna que ele
começa a levantar com antecedência. Segundo o juiz Marlon Reis, a maior parte
do dinheiro desviado sai de emendas parlamentares. É como deputados e
vereadores destinam parte do orçamento público para obras indicadas por eles.
"Eles vinculam a
destinação da emenda à retenção de uma importante parcela do valor daquela
emenda. Uma porcentagem que, segundo todas as minhas fontes, é de no mínimo
20%. E que pode chegar a parcelas bem maiores de 30% e até 50%", explica
Reis.
Assessor: Os deputados
que eu conheço, todos pegam retorno das suas emendas. Se ele põe R$ 1 milhão,
na faixa de uns R$ 300 mil fica para a campanha do deputado.
Segundo o autor do
livro, mesmo depois de desfalcada pela parte que vai pro bolso do parlamentar,
a verba ainda sofre outras perdas.
"O desvio é feito
de duas formas. Uma: o superfaturamento da obra que é apresentada um valor
maior do que realmente deveria ter. Ou então com a execução da obra em padrão
distinto daquele tecnicamente definido. Além de superfaturar, ainda se constrói
abaixo dos requisitos técnicos", observa Reis.
“Muitas vezes isso é
disfarçado de obras que parecem legítimas, sem que saibamos como a obra foi
feita. Possivelmente com irregularidade e falhas técnicas”, ressalta o
procurador geral eleitoral de Santa Catarina André Bertuol.
A rua Angelo Vanelli
virou o principal endereço do esquema de corrupção descoberto em Blumenau. Um
símbolo da troca de obras de ocasião por votos. A rua foi asfaltada às vésperas
da última eleição municipal, sem qualquer planejamento. O asfalto foi
literalmente jogado. Uma camada tão fininha que dá até para tirar com a mão.
Não resistiu às primeiras chuvas. Foi essa rua que abriu caminho para a
investigação do Ministério Público, que levou à cassação de cinco vereadores,
um quinto da Câmara Municipal.
O único dos cinco
vereadores cassados que o Fantástico conseguiu encontrar estava trabalhando. O
ex-vereador Celio Dias voltou a ser guarda municipal, ironicamente um “agente
da lei”.
“Acordo de manhã cedo,
vou dormir com a cabeça muito tranquila porque sei que não fiz nada de errado e
que sou um injustiçado nesse processo”, conta Celio Dias, ex-vereador e guarda
municipal.
Quem pode julgar o
discurso dos políticos e comparar com a realidade é o eleitor.
“Muitas vezes, o
sujeito está reclamando de certos políticos aí, seja no Congresso, seja no
Executivo, e eu costumo dizer: ‘Mas ele não está lá de graça não. Fomos nós que
os colocamos lá’”, revela Carlos Velloso.
O ex-presidente do Tribunal
Superior Eleitoral orienta: “Eleitor, examine a vida pregressa do seu
candidato. Tem gente honesta, sim, aí. Agora, tem os aproveitadores. Exatamente
esses é que precisam ser banidos da vida pública”.
Aproveitadores como
Cândido Peçanha, que graças ao voto consciente pode um dia se tornar apenas um
personagem de um livro de ficção.
Fonte:G1/Fantastico
Um comentário:
Há muito tempo que eu não assistia uma reportagem tão real. A proporção que o cara falava a gente ia identificando a realidade de cada lugar e pessoas.
Realmente, vai ser difícil alguém se eleger por que é honestoe fará um bom governo enquanto as pessoas usarem o voto como mercadoria.
Que pena!
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