A irresponsabilidade de Lula nada
teme, muito especialmente o sangue alheio, já que não há possibilidade de o
dele próprio correr nas ruas. Nem o de seus rebentos, sempre cercados de
seguranças. Os dois discursos que fez nesta sexta-feira, convocando as ruas a
reagir contra a Justiça — pois é precisamente disso que se trata — anunciam o
vale-tudo. Podem apostar que eles tentarão produzir coisa feia.
Na entrevista-pronunciamento que concedeu à tarde, Lula pintou e
bordou. Ora falava como o oprimido que busca piedade e solidariedade, ora como
o líder capaz de ombrear como os poderosos do mundo; ora se manifestava a
vítima de uma grande conspiração, ora o chefe ameaçador que deixou claro: só
bateram no rabo da jararaca, não na cabeça.
À noite, na quadra do Sindicato dos Bancários, falando a
militantes petistas — os organizadores afirmaram que havia lá 5 mil pessoas;
convém apostar em um terço disso —, carregou nas tintas da dramaticidade.
Ofereceu-se, como um Aquiles indignado prestes a entrar na luta contra Troia,
para liderar os seus soldados: “Se vocês estão precisando de alguém para
comandar a tropa, está aqui.” Lula quer liderar tropas. Lula quer guerra.
Mas o guerreiro também chorou. Ora sangue, ora lágrimas.
E não economizou: “Quero comunicar aos dirigentes que estão aqui
que, A partir de segunda-feira, estou disposto a viajar esse país do Oiapoque
ao Chuí. Se alguém pensa que vai me calar com perseguição e denúncia, vou falar
que sobrevivi à fome. Não sou vingativo e não carregou ódio na minha alma, mas
quero dizer que tenho consciência do que posso fazer por esse povo e tenho
consciência do que eles querem comigo.”
Erro
Um dia depois da devastadora delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) ter vindo a público, com o petismo ainda aturdido, com a presidente Dilma silenciada pela perplexidade, com o chorume do petismo correndo a céu aberto, o juiz Sérgio Moro fez o que não deveria ter feito: deu a Lula um palanque; aos petistas, uma causa; à Operação Lava Jato, a suspeita do excesso e da truculência gratuita.
Um dia depois da devastadora delação do senador Delcídio do Amaral (PT-MS) ter vindo a público, com o petismo ainda aturdido, com a presidente Dilma silenciada pela perplexidade, com o chorume do petismo correndo a céu aberto, o juiz Sérgio Moro fez o que não deveria ter feito: deu a Lula um palanque; aos petistas, uma causa; à Operação Lava Jato, a suspeita do excesso e da truculência gratuita.
Comece-se do óbvio: se há um mandado de condução coercitiva até
Curitiba, que se chegue, então a Curitiba, que não fica no Aeroporto de Congonhas.
Não tendo havido negativa anterior de Lula para depor à Justiça Federal — ele
se recusara a falar ao Ministério Público de São Paulo —, a coerção, que prisão
não é, tornou-se uma provocação desnecessária.
Analise-se a coisa pelo resultado: o país poderia muito bem ter
passado esta sexta sem os dois discursos de Lula, os confrontos de rua, o
início precoce da nova gesta petista. Citando o próprio Apedeuta: se não dá
para esmagar a cabeça da jararaca, que não se lhe fira o rabo…
A ação desta sexta conferiu verossimilhança a uma mentira
descarada: a de que a Operação Lava Jato é uma grande conspiração que busca
atingir o PT, a figura de Lula e as conquistas dos oprimidos nos últimos 14
anos.
É preciso tomar cuidado com a soberba!
Injustificável
É evidente que o excesso do juiz Sérgio Moro não justifica as duas falas de Lula. A reação do ex-presidente e de seus militantes é absolutamente desproporcional. O aparelho logo mobilizado indica que eles estavam preparados para algo, vamos dizer assim, sensacional. Faltava o pretexto. E agora eles têm um.
É evidente que o excesso do juiz Sérgio Moro não justifica as duas falas de Lula. A reação do ex-presidente e de seus militantes é absolutamente desproporcional. O aparelho logo mobilizado indica que eles estavam preparados para algo, vamos dizer assim, sensacional. Faltava o pretexto. E agora eles têm um.
A reação, note-se, é muito própria do aparelho mental de fascistas
dos mais variados matizes. O fascismo se traduz na cultura política do
ressentimento. Ele manipula o rancor dos que se sentem perseguidos, injustiçados,
humilhados e incompreendidos por uma suposta elite insensível e alheia ao
sofrimento dos humildes.
E quem pode levar adiante a causa desses excluídos? Ora, o líder,
o condutor, o redentor, o demiurgo! E Lula se oferece para comandar, então, o
que chamou de a sua “tropa”.
É pouco provável que obtenha o efeito desejado. Duvido que vá
conseguir mobilizar pessoas fora das hostes militantes. O Lula candidato a 2018
já está morto faz tempo. “Ah, mas o povo já acha que todo político é mesmo
ladrão…” Pode ser. Mas Lula só se tornou Lula porque ele convenceu milhões de
pessoas que era diferente. Não fica bem aparecer na fita como uma espécie de
chefe de organização criminosa.
Não creio que o PT será bem-sucedido no esforço de criar um
movimento de massa que volte a carregar Lula nos braços. Mas é evidente que a
reação desencadeada nesta sexta vai buscar, podem escrever aí (até porque já
começou), o confronto de rua, a violência e a intimidação. Se o PT não consegue
pôr freio à investigação pelos meios legais, vai apelar aos ilegais.
E é óbvio que o país não precisa disso.
Atenção!
Aliás, as forças responsáveis pela segurança pública fiquem mais atentas do que nunca. É raro o movimento político, por mais pacífico e correto que seja, que não abrigue, nas suas franjas, alguns delinquentes — quando menos, delinquentes intelectuais.
Aliás, as forças responsáveis pela segurança pública fiquem mais atentas do que nunca. É raro o movimento político, por mais pacífico e correto que seja, que não abrigue, nas suas franjas, alguns delinquentes — quando menos, delinquentes intelectuais.
Quando o próprio “comandante da tropa” anuncia que vai “para as
ruas”, isso pode soar a alguns como uma “senha” para o “faça você mesmo!”
Ao longo de sua história, o petismo nunca aderiu completamente ao
discurso da ordem — no caso, da ordem democrática. Agora que seu líder está
politicamente morto, querem usar deu cadáver político para ameaçar as
instituições.
Não é o caso de ceder à provocação dos zumbis.
Reinaldo Azevedo
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